sábado, 31 de julho de 2010

O PIANO




Ando perambulando pela casa
Os fantasmas sorriem pra mim
São a minha companhia...
O cheiro de mofo
Se faz presente invadindo tudo.
Nada restou...
Só o piano...
Sobre o piano retratos emudecidos...
Tudo se calou...
Não se ouvem mais
Os risos alegres pela casa
Outrora, repleta de felicidade.
Os acordes sonoros do piano
Emudeceram...
E a minha voz
Num pranto sufocado
Emudeceu também.
E o piano mudo,
Numa prece surda
Pede para se libertar.

Marcia Thelma

Um domingo de tarde sozinha em casa,dobrei-me em dois para a frente-como em dores de parto- e vi que a menina em mim estava morrendo.Nunca esqueci esse domingo.Para cicatrizar levou dias.E eis-me aqui.Dura,silenciosa e heróica.Sem a menina dentro de mim.

( Clarice Lispector)





O ENCANTADOR DE SERPENTES

em Estrela (disponível no blog Palavras de Absinto)

Eu já sonhava com a textura do teu toque,
quando o palco ainda era tua morada.
Eu já imaginava o calor de tuas mãos,
desde a primeira vez
que te vi acariciar a pele das congas,
ordenando tuas vontades em gestos,
e elas, alucinadas, te obedecendo em ritmos.

Eu recriei em ondas cerebrais o teu grito rouco e forte,
quando meus ouvidos só conheciam
as primeiras nuances de tua voz cantarolando em falsete,
dando ritmo as mulheres que te adornavam o solo.

E já sabia que um dia tu descerias do tablado,
e buscar-me-ia com os olhos em meio ao público.
E quando me achasses, sorririas,
e com calma entrarias em minha vida,
como se há muito ela já fosse tua.

De antemão, eu sabia que me olharias nos olhos,
e me afagarias as mãos.
E que me dirias coisas profanas ao ouvido.
Segredos nossos, do que ainda teríamos a sobreviver,
mas que eu já colecionava e, por isso, não me assustavam.

Disso tudo eu sabia,
porque antes do fim do show de tua vida,
antes de desceres do palco
eu já havia pedido licença ao meu sagrado
e tratara de exercer minha arte, o meu ofício,
para restituir-lhe o feitiço em gênero e em número,
mas em grau mais intenso.

Para ter-te meu, como me tinhas,
Tive que te fazer cativo do meu enredo.
Teci-lhe uma longa e emaranhada história,
cheia de nós e pontos reversos,
na qual eu trançara, cuidadosa e antecipadamente,
o roteiro que eu queria que tivesse a nossa sobrevida.

Pedi licença ao teu profano
e estreei no teu palco a minha fábula,
cheia de heróis, príncipes,
capas, espadas e dragões vencidos.
Nela, não haveria piedade para os maus.
Também não haveria donzelas,
até para que não houvesse necessidade de dublês
e com isso inchasse o orçamento
– já que dinheiro é sempre problema nos relacionamentos.

No palco, só eu e você.
E o final era de múltipla escolha,
qualquer deles, venturoso.
É que tínhamos nos pulsos
como garantia de vida, a marca dos afortunados.
O sinal profundo, feito a ferro e fogo
pouco depois do nascimento,
e que nos identificaria quando, enfim, nos defrontássemos.
Por ele, perdíamos o medo,
pois sabíamos que juntos,
separados pela vida ou por outros amores.
Em qualquer dos finais, seríamos “felizes para sempre”.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

LAVANDO A ALMA

( foto de Kelly Baeta)

Lava criança que há esperança pro mundo
Aprenda que muitos ainda precisam assim fazer
Lava, pois o tempo de agora deixa marcas claras
Deixa escorrer na água o sorriso que a saudade roubara
Lava a roupa agora criança
Para depois não ter que lavar a cara
Lava com água do rio e segue o seu curso
Termine o escolar e o colegial
Faz o segundo grau e até uma faculdade
Mas lave a roupa agora
Seja leve e como passarinha até voe
Voe em bolinhas de sabão
Pois muitas meninas iguais a ti
Já lavaram roupas também
E outras até lavaram mais
Lavaram vidas e almas
Assim minha linda menina
Antes de concretizar nossa morte
Para nosso olhar
Lave e leve as tuas lembranças
Se assim quiser
Pois as minhas hão de ficar
Como adorno ao vazio que deixastes

Postado por Jurandir Bozo (Fábio Sirino) às
4:36
PM

ESPERANDO VOCÊ






A campainha toca

corro para a porta

e volto tão triste.

por que?

Por que, hem?

Você não vem

Você não chega

Eu não lhe abraço

lhe beijo e lhe afago

por que?

A campainha novamente toca

Ansiosa corro para a porta

e rio contente...

Agradeço sorridente

volto para o quarto
abraço-o saudosa

beijo suas mãos

ouço suas palavras

e leio sua carta.

Marcia Thelma

PESADELO


Eu fiquei pensando
e o meu pensamento
trouxe você para mim


*

Procurei na noite
procurei de dia
e você estava
dentro de mim.


*

Adormeci pensando
você sempre presente...
Acordei chorando;
em meus sonhos
você estava ausente.

Marcia Telma

DESILUSÃO





É o fim.
d'uma estória de amor
de um homem...uma mulher
uma estrela...um rio,
uma árvore....e uma canoa.
*

Os dois se amaram
como só se pode amar
somente uma vez.
Amaram a árvore
batida pelo vento.
*
Amaram a canoa afundada
banhada pelas águas;
a estrela que os iluminava
quando na noite, de luz
só havia a dos olhos dela.

*
depois...a partida...
o adeus...uma saudade...
uma lembrança amável
das ternas carícias.
*
Hoje...
O fim da estória.
O que é bom logo passa.
Ele partiu,ela não resistiu
a saudade, a dor, a distancia.
E o que restou?

*
A árvore morreu
A canoa afundou
a estrela não mais brilhou
e os olhos dela se turvaram.
Foi o fim...
O eterno fim dos namorados.

Marcia Thelma

quinta-feira, 29 de julho de 2010




(...)Vivo de esboços não acabados e vacilantes.Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens,entre mim e o Deus.
Vivo em escuridão da alma,e o coração pulsando, sôfrego pelas futuras batidas que não podem parar.
( Clarice Lispector)

Hoje...Eu quis lhe ver...





Hoje, eu quis lhe ver



abraçá-lo,beijá-lo



até não poder mais.



E depois refugiada



em seus braços



chorar... chorar muito



deixar todo o pranto


correr.






Aquela saudade tão grande


escorrer pelo meu rosto

cansado


das noites de vigília,


pensando

em você...em nós...



Chorar...chorar muito

Falar baixinho entre soluços

o quanto sofri nesta distância


que me amedronta tanto.


( tenho tanto medo de perdê-lo).





Chorar...chorar muito


encostada em seu ombro

até senti-lo enxugar


as minhas lágrimas


com aqueles beijos tão suaves.



Eis porque,hoje e sempre


Eu quis lhe ver outra vez.

Marcia Thelma














Que eu consiga ser quem eu sou e bata palmas no final! Mesmo que eu escorregue em mim e puxe a cortina antes do espetáculo acabar. Quem vai dizer que não era essa a melhor parte do show?
( Martha Medeiros)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

VENDE-SE UMA CASA...




Vende-se uma casa
branquinha
com um pequeno jardim.
onde a grama é verdinha
e as flores são formosas...


*
É uma casa linda!
cor dos sonhos
de um jovem casal.
As trepadeiras florescem
cercando um banquinho.


*
É uma casa pequena...
há o escritório dele,
uma sala, o nosso quarto,
um quarto amplo para as crianças,
a sala de jantar,uma cozinha espaçosa
e um enorme quintal.

*
Eis a casa.vende-se todinha.
Com as cortinas nas janelas
os móveis,da sala,do escritório
do nosso quarto,do quarto das crianças
da sala de jantar e da linda cozinha.
*
Nós a construímos aos poucos,
parede à parede,o assoalho, o teto
pintamos com a cor do nosso amor.
Arranjamos o jardim:rosas vermelhas
trepadeiras sobre o banquinho.

*

A sala de visitas com cortinas,
aqueles móveis lindos da mamãe
O nosso quarto tão sereno e tão bonito.
A cama,um tapete para seus chinelos,
um guarda-roupa e um toucador.


*

E o quarto das crianças?
( teremos várias).
Um bercinho de vime,
com uma colcha de retalhos
feita pela vovó.

*
Na cozinha,ampla e espaçosa
a louça da família
achava-se guardada.
( e eu,pobre louca pensava
o quanto seria bom cozinhar para eles).


*
Agora, vendo-a...
Meu coração está dilacerado
pela dor.A dor da minha renúncia...
É uma casa feita de sonhos,
mas que estão sepultados nestas paredes.

*
Não quero esta casa...
pois não ouvirei nunca sua voz
chamando-me meu bem.
Não ouvirei o choro lindo
do meu filhinho que não nasceu...

*
Vende-se esta casa
Uma casa branca feita em sonhos,
o preço mais elevado da minha renúncia
feito do amor guardado
morto antes de nascer...
Vende-se uma casa...
Quem a quer comprar?

Marcia Thelma






terça-feira, 27 de julho de 2010

Ternura amiga


São tantas as estradas


para percorrer,


são tantas dúvidas


sobre qual seguir.

O medo insiste


em se fazer presente


mostrando desacertos,


erros e tristezas.


Se eu chorar um dia


( eu sempre choro,sabe?)


Não partilhe do meu pranto


Não se limite a minha dor.


Ah! Se você soubesse

no quanto me faz bem


sua presença amiga


silenciosa e confortante,


talvez compreendesse


os meus temores noturnos.


Se me abraçasse com carinho


bem devagarzinho,


com certeza compreenderia


que a emoção de tê-lo num abraço


num laço passivo,sem juras falsas,


nem promessas loucas.

Faz de mim, mulher amada


companheira, amiga,


sempre desejada.


E faz você em mim


aquele que sonhei.


E por que não dizer


por quem me apaixonei?


Marcia Thelma
























Vende-se tudo...


Martha Medeiros


No mural do colégio da minha filha
encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o
que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos.

O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe,
ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.

Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e
por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar,
aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.

Como eu não conhecia muita
gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e
esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o
primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém
que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante.


Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além
disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se
iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam na
minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma.

No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No
último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou
esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.

Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que
aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me apeguei
a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo por
coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.


Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez
mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa
o tempo que estiveram presentes na minha vida... Desejo para essa mulher que
está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que
tive na minha última noite no Chile. Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha
2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio.
Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que
não tínhamos nem uma xícara em casa.

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções
todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde. Não pagamos
excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.


... só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir, é
melhor refletir e começar a trabalhar o DESAPEGO JÁ !
Martha Medeiros






Estou colocando esse artigo porque muito me identifico com o que Martha Medeiros escreve.A sua simplicidade me toca.E eu também estou vendendo tudo...Até os sonhos

Marcia Thelma





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Cartas de amor







Kahlil Gibran (1883-1931), nascido no Líbano, será lembrado por seu clássico "O profeta," que sessenta anos depois de sua publicação, continua na lista dos mais vendidos de diversos países. Em 1995, li sua correspondência amorosa com Mary Haskell, uma americana dez anos mais velha que ele. Ali encontrei um homem complexo e fascinante - o que me incentivou a selecionar alguns textos para a publicação (Cartas de amor do profeta, Ediouro, fora de circulação infelizmente). - Paulo Coelho.

Aqui vão alguns fragmentos:

10/3/1912
Mary, minha adorada Mary, como você pode achar que me está dando mais sofrimento que alegrias? Ninguém sabe direito qual é a fronteira entre a dor e o prazer: muitas vezes eu penso que é impossível separá-los. Você me dá tanta alegria que chega a doer, e você me causa tanta dor que eu chego a sorrir.

8/7/1914
Sempre pensei que, quando alguém nos entende, termina por nos escravizar - já que aceitamos qualquer coisa para sermos compreendidos. No entanto, sua compreensão trouxe-me a paz e a liberdade mais profunda que já experimentei. Nas duas horas de sua visita, você descobriu um ponto negro no meu coração, tocou-o, e ele desapareceu para sempre -fazendo com que eu enxergasse minha própria luz.

18/4/1915
Os dois dias em que estivemos juntos foram magníficos. Quando falamos sobre o passado, sempre tornamos mais real o presente e o futuro. Por muitos anos, tive pavor de olhar aquilo que vivi, e sofri em silêncio. Hoje entendi que o silêncio nos faz sofrer mais profundamente. Mas você me faz conversar, e eu descubro as coisas empoeiradas que se escondiam na minha alma, e então posso arrancá-las dali.

17/7/1915
Nós dois estamos procurando tocar os limites da nossa existência. Os grandes poetas do passado sempre se entregavam à Vida. Eles não procuravam uma coisa determinada, nem tentavam desvendar segredos: simplesmente permitiam que suas almas fossem arrebatadas pelas emoções. As pessoas estão sempre buscando segurança, e às vezes conseguem: mas a segurança é um fim em si, e a Vida não tem fim. Poetas não são aqueles que escrevem poesia, mas todos os que têm o coração cheio do espírito sagrado do Amor.

10/5/1916
Querida Mary: estou enviando uma parábola que terminei. Tenho escrito pouco, e apenas em árabe. Mas gostaria de ouvir suas correções e sugestões sobre este trecho: Na sombra de um templo, meu amigo me apontou um cego. Meu amigo disse: "Este homem é um sábio". Aproximamos, e perguntei: "desde quando o senhor é cego?" "Desde que nasci". "Eu sou um astrônomo", comentei. "Eu também", o cego respondeu. E, colocando a mão em seu peito, disse: "Passo a vida observando os muitos sóis e estrelas que se movem dentro de mim".

domingo, 25 de julho de 2010

ALUCINAÇÂO



Fitas vermelhas,
azuis,amarelas,
verdes, rosas,
brancas e pretas
passam velozmente.

*
Girandôlas em espirais
dançam um bailado
e mostram
um olho aflito.
*
Triângulos equiláteros,
cubos,esferas,
cones e cilindros
brilhantes
passam voando.
Deixando
estranhas formas:
uma orelha,um nariz.
*
Pessoas voam sem rosto
e há braços mutilados
no espaço.
Uma cara se agiganta
cresce,cresce,cresce
e se apodera do vídeo.
*
Ondas de fumaça
labaredas incandescentes
sinfonia
atormentadas de cores
devora o chão
e sobe pelo ar.
*

Flores e mais flores,
rosas de todas as cores
aros de metal,listas
coloridas de flúor
se confundem.
Velocidade supersônica.
*
Sorvetes,bombons, caramelos
unem-se,atraem-se
formando uma boca
de lábios magoados de sangue.


*
Ossos humanos
jazem na lama.
Pés de barro
quebrados.
*
Risos...Gritos...Prantos...
Luta...Guerra...paz...
Amor...
Lama...muita lama
com gosto de sorvete
no fantasma inexistente
de uma noite de alucinação.
Marcia Telma







"O meu mundo não é como o dos outros,quero demais.exigo demais.há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa: sou antes uma exaltada,com uma alma intensa,violenta,atormentada,um alma que não se sente bem onde está , que tem saudades; sei lá de quê!"

Florbela Espanca

terça-feira, 20 de julho de 2010

CLARICE, A ESTRELA




ESCREVO POR NÃO TER NADA A FAZER NO MUNDO:


SOBREI E NÃO HÁ LUGAR PARA MIM NA TERRA DOS HOMENS.

CLARICE LISPECTOR





O rosto de Lispector está em selos e o seu nome adorna condomínios de luxo. Incontáveis livros foram escritos sobre ela, e dezenas de apresentações teatrais foram baseadas em sua obra.

Podem-se comprar os livros em máquinas no metrô... (em Nova York)...
O mito de Clarice se agiganta tanto quanto o que ela escreveu. Seu nome incomum fez com que soasse como uma espiã. Os olhos e ossos do rosto elevados levaram as pessoas a compará-la a uma loba ou uma pantera. Para o tradutor Gregory Rabassa, Lispector “parecia com Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf”...
Alguns pensavam que era um homem escrevendo sob um pseudônimo. O interesse pelo oculto (ela teve um hábito duradouro de consultar astrólogos e cartomantes) levaram as pessoas a se referir a ela como “a grande bruxa da literatura brasileira”. Também era chamada de monstro sagrado. Mais tarde queimou a mão direita em um incêndio no seu apartamento, e o membro ficou parecido com uma garra negra.
A escrita de Lispector era fora do comum como ela. Seus romances e contos carecem de tramas identificáveis, e são relatados em linguagem impressionista. Têm uma qualidade assombrada e interior que vai na contramão da literatura brasileira contemporânea.
O primeiro romance, “Perto do coração selvagem”, foi lançado em 1943 e se tornou uma sensação da crítica. Um crítico o chamou de “maior romance que uma mulher escreveu na língua portuguesa”. O estilo de fluxo de consciência do romance levou os críticos a cotejar Clarice com Joyce e Woolf, escritores que ela ainda estava por ler...
Para Lispector, estar longe do Brasil era um tipo de morte. O papel de esposa de diplomata nunca foi fácil para ela; considerava isso um tipo de domesticação forçada. Suas cartas são cheias de queixas ácidas. “Essa Suíça é um cemitério de sensações”, escreveu. “As pessoas também são silenciosas e riem pouco. Sou a única que ri”. Em Washington se rebelou ao decorar a árvore de natal com ornamentos estranhos em preto, marrom e cinza...
Com a aparência esvaindo-se, Lispector se tornou cada vez mais reclusa e exigente. Viciada em cigarro e pílulas para dormir, ela exibia comportamento errático e às vezes soberbo. Ligava para amigos no meio da noite e abandonava jantares por razões menores. Tinha uma reputação de ser mentirosa. Sobre ter amizade com ela, disse uma mulher, “Ninguém pode aguentar muito tempo”...
Moser, por vezes, também vai um pouco além. Ele escreve que a obra de Lispector é “talvez a maior autobiografia espiritual do século 20”. Ele aponta que ela teve “uma das carreiras mais extraordinárias da literatura do século 20”. Chama o romance “A paixão segundo G.H.” de “um dos maiores romances do século 20” e, algumas páginas depois, “entre os maiores romances do século”.

Clarice nasce sob o signo da vagueza, e também sob o da culpa. Sua mãe doente acrediatava que ficaria curada dando à luz... O fracasso pesa muito sobre os ombros de Clarice: "fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram eu ter nascido em vão. Mas eu, não me perdôo".
Queria ter curado a mãe ao nascer, milagre que lhe teria permitido afastar de si a vergonha do fracasso e o espectro da solidão, a "de não pertencer" nem a seu pai, nem a sua mãe. O peso da falta persiste. Seu primeiro trabalho na Faculdade de Direito, onde estuda de 1940 a 1943, intitula-se: "Observações sobre os fundamentos do direito de punir".
A irredimível e vasta culpa torna-se às vezes "fisicamente constrangedora"; "é um punho fechando o peito", uma "cruz pesada, de que não se pode falar". Certas pessoas "têm vergonha de viver: são os tímidos", aos quais se identifica. "Desculpem, por exemplo, estar tomando lugar no espaço. Desculpem eu ser eu". Sussurra por meio da escrita: "Sou erro puro". Murmura: "Morro de medo de comparecer diante de um Juiz". Declara: "Sou inocente"...
No dia seguinte à morte de Clarice, a Folha de São Paulo dá destaque à seguinte informação: Teve uma infância pobre e sua mãe, com o parto, ficou paralítica...

"Ai, coitadinha de mim. Tão sem mãe. É dever ter mãe. É coisa da natureza"...

A mãe é a filha, é a barata, é o pus, é a jóia, e Clarice não cessa de reviver dolorosamente seu nascimento. Entre seus últimos fragmentos manuscritos: "A paralisia pode transformar uma pessoa em coisa? Não, não pode, porque essa coisa pensa. Estou precisando urgentemente de nascer. Está me doendo muito. Mas eu não saio dessa, sufoco. Quero gritar. Quero gritar para o mundo: Nasci!!!"] Línguas de Fogo, Claire Varin, Limiar, 2002. Tradução Lúcia Peixoto Cherem

"Deus, me ensine somente a odiar".

"Eu te odeio"disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la.

"Eu te odeio" disse muito apressada.

"Eu te amo" disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não quere-la.

"Eu te odeio",disse implorando amor...

( Clarice Lispector )

I N D E C I S Ã O



Nem sei como estou,

nem como estamos

ficamos...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Maceió,vista do mirante

À Marcia Telma

Jangadas ao luar... Lindos corais
Brotam d’água do mar com esplendor,
Arrecifes... Piscinas naturais
Nuances de matiz multicolor...
*
Na orla branca, salpicos de cristais...
Arrebentam as ondas com fervor...
Ao murmúrio do vento os coqueirais
Parecem entoar cantos de amor.
*
Pássaros cantam, beleza em toda volta.
O fascínio que a Mundaú denota...
Encantos de magia deslumbrante.
*
Ao longe, à deriva, um barco á vela.

“ Maceió nunca me pareceu tão bela,
Contemplada do alto do Mirante...”



domingo, 18 de julho de 2010

PRIORIDADES

Marcia Thelma

Passo à passo
Luto e conquisto
O meu espaço.
aberto, livre, inquieto.
Fazendo do meu eu
Meu próprio espaço.
Duro e forte
Forjado no aço.

*
No meu hoje, é você
a meta principal.
Prioridade essencial:
Ser feliz, fazer feliz
No meu espaço.

*
No seu espaço
Eu sou estranha.
No seu espaço
não sou a meta,
sou um meio.

*

Enorme cansaço
me leva a definir
as suas prioridades
Nelas constato:
Eu não estou...





INSEGURANÇA

Marcia Telma

Eu queria fazer uma poesia
de amor,risos e canções.
E em vão procuro os risos
o eco alegre das gargalhadas...
E das canções suaves de outrora.

Eu queria falar do grande amor
eterno amor,tão decantado.
Mas há um vazio na mente
E não há palavras,não há nada
para descrever minhas sensações.

É uma insegurança total:
Por mais que tente acreditar
No grande milagre da vida
tenho medo.Há tanta dúvida
a incerteza me transtorna.

Eu fico a balançar
Na corda bamba do circo.
Você jura me amar,
depois me repele,se afasta
e eu caio na cama de lona.

Se me ama, porque me repelir.
E se faz desconhecido?
Se sou amada, porque desprezada
Tão magoada na minha pequenez,
sofrendo a solidão desesperada.

Na corda bamba do circo
Faço mil malabarismos.
Seguro a sombrinha na mão,
o chapéu na cabeça,embaixo
o vazio.E cadê você?

Porque não me segura fortemente
e diz que tudo foi um pesadelo
que estou segura,não vou mais cair
E você é o meu homem:
O meu milagre de amor...





quinta-feira, 15 de julho de 2010

Mirante do Farol
(1970)