terça-feira, 20 de julho de 2010

CLARICE LISPECTOR





O rosto de Lispector está em selos e o seu nome adorna condomínios de luxo. Incontáveis livros foram escritos sobre ela, e dezenas de apresentações teatrais foram baseadas em sua obra.

Podem-se comprar os livros em máquinas no metrô... (em Nova York)...
O mito de Clarice se agiganta tanto quanto o que ela escreveu. Seu nome incomum fez com que soasse como uma espiã. Os olhos e ossos do rosto elevados levaram as pessoas a compará-la a uma loba ou uma pantera. Para o tradutor Gregory Rabassa, Lispector “parecia com Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf”...
Alguns pensavam que era um homem escrevendo sob um pseudônimo. O interesse pelo oculto (ela teve um hábito duradouro de consultar astrólogos e cartomantes) levaram as pessoas a se referir a ela como “a grande bruxa da literatura brasileira”. Também era chamada de monstro sagrado. Mais tarde queimou a mão direita em um incêndio no seu apartamento, e o membro ficou parecido com uma garra negra.
A escrita de Lispector era fora do comum como ela. Seus romances e contos carecem de tramas identificáveis, e são relatados em linguagem impressionista. Têm uma qualidade assombrada e interior que vai na contramão da literatura brasileira contemporânea.
O primeiro romance, “Perto do coração selvagem”, foi lançado em 1943 e se tornou uma sensação da crítica. Um crítico o chamou de “maior romance que uma mulher escreveu na língua portuguesa”. O estilo de fluxo de consciência do romance levou os críticos a cotejar Clarice com Joyce e Woolf, escritores que ela ainda estava por ler...
Para Lispector, estar longe do Brasil era um tipo de morte. O papel de esposa de diplomata nunca foi fácil para ela; considerava isso um tipo de domesticação forçada. Suas cartas são cheias de queixas ácidas. “Essa Suíça é um cemitério de sensações”, escreveu. “As pessoas também são silenciosas e riem pouco. Sou a única que ri”. Em Washington se rebelou ao decorar a árvore de natal com ornamentos estranhos em preto, marrom e cinza...
Com a aparência esvaindo-se, Lispector se tornou cada vez mais reclusa e exigente. Viciada em cigarro e pílulas para dormir, ela exibia comportamento errático e às vezes soberbo. Ligava para amigos no meio da noite e abandonava jantares por razões menores. Tinha uma reputação de ser mentirosa. Sobre ter amizade com ela, disse uma mulher, “Ninguém pode aguentar muito tempo”...
Moser, por vezes, também vai um pouco além. Ele escreve que a obra de Lispector é “talvez a maior autobiografia espiritual do século 20”. Ele aponta que ela teve “uma das carreiras mais extraordinárias da literatura do século 20”. Chama o romance “A paixão segundo G.H.” de “um dos maiores romances do século 20” e, algumas páginas depois, “entre os maiores romances do século”.

Clarice nasce sob o signo da vagueza, e também sob o da culpa. Sua mãe doente acrediatava que ficaria curada dando à luz... O fracasso pesa muito sobre os ombros de Clarice: "fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram eu ter nascido em vão. Mas eu, não me perdôo".
Queria ter curado a mãe ao nascer, milagre que lhe teria permitido afastar de si a vergonha do fracasso e o espectro da solidão, a "de não pertencer" nem a seu pai, nem a sua mãe. O peso da falta persiste. Seu primeiro trabalho na Faculdade de Direito, onde estuda de 1940 a 1943, intitula-se: "Observações sobre os fundamentos do direito de punir".
A irredimível e vasta culpa torna-se às vezes "fisicamente constrangedora"; "é um punho fechando o peito", uma "cruz pesada, de que não se pode falar". Certas pessoas "têm vergonha de viver: são os tímidos", aos quais se identifica. "Desculpem, por exemplo, estar tomando lugar no espaço. Desculpem eu ser eu". Sussurra por meio da escrita: "Sou erro puro". Murmura: "Morro de medo de comparecer diante de um Juiz". Declara: "Sou inocente"...
No dia seguinte à morte de Clarice, a Folha de São Paulo dá destaque à seguinte informação: Teve uma infância pobre e sua mãe, com o parto, ficou paralítica...

"Ai, coitadinha de mim. Tão sem mãe. É dever ter mãe. É coisa da natureza"...

A mãe é a filha, é a barata, é o pus, é a jóia, e Clarice não cessa de reviver dolorosamente seu nascimento. Entre seus últimos fragmentos manuscritos: "A paralisia pode transformar uma pessoa em coisa? Não, não pode, porque essa coisa pensa. Estou precisando urgentemente de nascer. Está me doendo muito. Mas eu não saio dessa, sufoco. Quero gritar. Quero gritar para o mundo: Nasci!!!"] Línguas de Fogo, Claire Varin, Limiar, 2002. Tradução Lúcia Peixoto Cherem

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