A vida é feita de pequenos retalhos, ... As poesias são retalhos da vida...Com as mãos vou costurando sonhos,poesias de retalhos...Aqui estão os retalhos da minha vida...Com o meu pai aprendi a manusear os tecidos,a sentir as texturas, a maciez,a forma, os cheiros.Com minha mãe aprendi a juntar os pedaços,formar as palavras e fazer poesia...Escrevo como quem tem sede.Uma busca incessante de me redescobrir nas palavras, reunindo-as, formando uma composição multicolor.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Acerolas in sépia
A vida é tão engraçada que se não fosse trágica, seria cômica. E tem cores e sabores. A minha vida tem como cor principal o sépia. Nunca me imaginei dessa cor. Eu sempre me imaginei com cores vivas e vibrantes, mas ultimamente me descobri no sépia. Eu sempre gostei de ver as cores. Menina interiorana e ribeirinha aprendi desde cedo a conviver com cheiros diversificados e cores que jorram em profusão quando chega o inverno.E os sabores?Ah! Os sabores... Tem o sabor de acerola quando me acordo pela manhã, com o cheiro da terra molhada pela chuva, cheiro de fecundação, de vida; e vou para o quintal conversar com o pé de acerola. Com esse amor que ressurgiu tal como uma fênix e me rouba todos os pensamentos e viola os meus ouvidos com o eco de sua voz dentro de mim, tenho conversado pouco com a minha acerola. Também pudera! Passo a noite inebriada de prazer com os sonhos embriagadores e voluptuosos que dominam os meus sentidos. São coloridos os meus sonhos e se tornam pretos e brancos quando tenho pesadelos que me afastam do meu amado e dessa felicidade fictícia. Voltando a acerola, em conseqüência do meu distanciamento ela está zangada comigo: tem me dado poucas acerolas e me rouba o prazer de fazer o meu suco matinal com acerolas fresquinhas. E a sua história? Todas as árvores e plantas têm a sua história. Minha acerola que não é minha, plantei-a certo dia para minha mãe.Ela não a viu colocar os primeiros frutos e eu a reguei com as lágrimas da minha dor quando ela se foi.Passei então a conversar com o pé de acerola que traz a minha mãe nesse quintal.
A feira se estende desordenada pela rua, na frente da minha casa. Há o sabor agridoce dessa feira quando numa fusão de cores e sabores percorro as bancas dos vendedores de frutas e verduras. Do vermelho vibrante da manga ao verde brilhante da alface que se mescla com o verde musgo da couve. Sem falar no amarelo gostoso e cheiroso do maracujá, que desbanca as bananas da terra amarelinhas e com tons ferrosos ao lado das tangerinas cheirosas e suculentas. Isso sem falar nas pimentas olorosas que se misturam ao cheiro adocicado do abacaxi.
Pois não é,que todos esses cheiros se misturam ás ervas do homem da cobra?Chamo-o assim, porque para atrair compradores para suas meizinhas ele tem uma cobra .Uma cobra dentro de um baú.Cobra dócil e domesticada.Ao apregoar a sua pomada milagrosa de odor duvidoso e reunir uma multidão ao seu redor, ele faz um suspense e chama a cobra.Ela surge com meneios e ondulações e se enrosca sensual em seus pescoço.O suspense é grande e as mães agarram os filhos.É o encantador de serpentes.
É inebriante caminhar pela feira.As cores se sucedem e entontecem qualquer cristão com tantas cores ,sabores e odores.E a tapioca branquinha das mulheres do Fabo da Gata? Mas não chamem assim não...Rabo da GatA é ofensivo.O nome é Impoeiras...Sim,as tapiocas...Elas me trazem de volta á casa onde no jardim a roseira que plantei para minha mãe está repleta de rosas branquinhas e perfumosas.Olho-as com carinho e num pensamento mudo as envio para que ornem a janela no outro plano onde ela passou a habitar.As alamandas se multiplicam desordenadamente numa profusão de amarelo vibrante criando um contraste com o meu aveloz.
Mas a minha vida tem como cor principal o sépia. É tão clássico...Então recorro ao sépia para ilustrar meus textos e colorir minhas pinturas.Tem um ar de saudade e elegância...de um refinamento ímpar.E a minha casa que não é mais minha está se tornando da cor sépia.A chuva danificou as paredes brancas e deixou impressas as cores da saudade das pessoas que aqui viveram e deixaram suas marcas.Em sépia...Os retratos mudos que insistem em me olhar, estão ficando em sépia.Talvez porque os coloquei sobre o piano que é de mogno envelhecido e me lembra o sépia.O cheiro das teclas de marfim me remete às tardes prazerosas onde recebíamos as visitas com um recital de poesias ao som da música tocada pela minha mãe que aprendeu com a sua avó.Tudo isso está se diluindo no tempo e caindo na roda do esquecimento.
Resolvo então guardá-los em caixas perfumadas com cheiro de acerolas, mas as caixas são também em sépia.
A minha vida está em sépia?
Marcia Telma
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