| Eduardo Dantas
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Ainda sob o efeito do brilhante voto do Ministro do STF, Carlos Ayres Britto, proferido no último dia 5 de março durante o início do julgamento da ação que vai decidir sobre a liberação ou não do uso de embriões congelados para pesquisas com células-tronco embrionárias, é possível dizer que iniciamos um novo momento em nosso direito.
Pela primeira vez, na história mundial, um tribunal constitucional está a debater o momento do início da vida, lançando esclarecimentos sobre diversos conceitos que, embora essenciais, são imprecisos em nosso ordenamento jurídico, como o direito à vida, e a dignidade da pessoa humana. O relatório e o voto, em suas 72 páginas, formam um libelo irretorquível, recolocando bom senso em um debate que extrapolou os limites do direito, fortemente influenciado por convicções religiosas.
O argumento religioso, como toda opinião em uma democracia, deve ser respeitado. Todavia, sua imposição ao conjunto da sociedade, como se pretende, é anacrônica e inaceitável.
A religião católica é tradicionalmente maniqueísta, o que lhe impede de ter o equilíbrio necessário para admitir os imensos benefícios destas pesquisas frente a possíveis problemas que delas possam advir.
Em sua postura intransigente e absolutamente particular sobre onde começa a vida, a Igreja Católica parece se esquecer completamente de quantas vidas imolou no insano desejo de “purificar” almas durante o período da inquisição, aqueles, sim, seres humanos nascidos, conscientes e que sentiram a dor de serem torturados e queimados vivos simplesmente por não concordarem com quem se autoproclamava procurador de Deus.
Da mesma forma, agora, ela propõe que se deixem seres humanos nascidos e conscientes perecerem com doenças terríveis no disparatado pressuposto católico da felicidade da alma pelo sofrimento da carne, enquanto defendem a preservação de um amontoado de células que, sequer, possuem um sistema neural e se multiplicam não por vontade própria, mas por pura indução biológica
semelhante, no processo, a um tumor.
Interessante perceber que a ação busca impedir as pesquisas com células-tronco embrionárias, mas nenhuma menção é feita ao descarte destes embriões, que, se não utilizados para salvar vidas, irão para o lixo. Jogar fora pode?
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